Acabei chegando tarde de Hoor. A câmara comercial, como sempre, me segurou por mais tempo do que eu gostaria. Sempre os mesmos assuntos: vendedores de frutas querem que eu baixe meu preço, outros produtores querem arranjar maneiras de subir o preço e todos unidos querem redução dos impostos, reclamar do governo ou falar mal dos distribuidores navais.
Pouco antes de ir para lá, havia tentado encontrar Marcos, mas haviam me comunicado que ele não estava e que só deveria voltar durante a noite. Teria ido atender a uma urgência fora da cidade. Fiquei imaginando o que poderia ser. Na certa algum casamento de última hora, ou o nascimento de algum filho. A hipótese de urgência familiar estava descartada, já que a família do frei morava longe.
Chegando em minha fazenda, já pouco depois das oito da noite, encontro-me com Juca, esperando na porta de casa. Ele se levantou, tirou o chapéu e balançou a cabeça num sinal discreto de cumprimento. Logo em seguida me disse:
– Diacho patrão, o senhor demorou. Encontramos o homem mais velho dessas terra, mas ele num qué fala c’ocê. O velho insiste em te chamar de bruxo e diz que o senhor tem parte com o demo.
– Só me faltava essa agora. Quem é o homem?
– Ele é avô do seu Onório, dono da venda. Vive aqui desde muito antes d’ôce chegar por essas banda. Tem uma cabana perto do riacho, vive com a mulher e dois cachorro. Nenhum deles trabaia na fazenda. Tentamos trazê ele de tudo que foi jeito, mas o veio não arrastava pé de lá. Mas disse que fala c’ôce, assim que passá a lua cheia.
– E quanto aos animais? Algum deles mais velho que um homem?
– Ara, e eu lá tenho cara de entendedor de bicho?
– Me desculpe a franqueza, meu amigo, mas tem sim.
– Eu só entendo de vaca, cavalo e galinha patrão. O resto pra mim é só bicho. De quarqué forma, eu perguntei pra uns amigo, e ninguém sabe de bicho muito antigo na fazenda não. Uns falaro num tar de tamanduá ancestrar, mas ninguém nem sabe se o bicho existe. Achemo melhor nem percura por ele.
– Está certo. A lua vai mudar em quatro dias, então irei falar com o sr. Onório. Quantos anos ele tem?
– Olha, o véio já perdeu as conta. Mas o filho dele me disse que deve ser pra mais de setenta. Despois dele, só o velho Salustião, mas ele disse que lembra bem dos cascudo que levava do seu Onório na época de criança, toda vez que fazia arte. Seu Onório cuidava dele quando iam pra quermece.
– Bom, nesse caso, só me resta esperar esses dias.
– O patrão quer mais arguma coisa? Senão eu já vou, porque a patroa prometeu uma janta especiar lá em casa. Estamos fazendo nove ano de casado.
– Olha, meus parabéns! Nesse caso – joguei a bolsa com o dinheiro que havia levado para a cidade. Devia haver metade do salário dele dentro – pegue de presente. Fica pelo casamento, e pelo serviço extra prestado hoje.
Ele enrubesceu, sorriu e disse:
– Carecia não patrão, mas a ajuda vai ser bem-vinda. O senhor sempre foi muito generoso. Agredecido.
Satisfeito com essa atitude, fui deitar.
Terceiro e mais um maravilhoso episódio da vida.
Extremamente dolorosa é a espera pela tradução.
Mas gratificante e empolgante quando recebemos as novas linhas.
Bom Amigo,
É com alegria que abençoamos tal trabalho.
Frei Vinte – representante geral da Ordem dos Vinte